FCC/TRE-AM/Analista Judiciário/2010
Atenção: As questões de números 1 a 10 referem-se ao texto seguinte.
Entre a cruz e a caldeirinha
“Quantas divisões tem o Papa?”, teria dito Stalin quando alguém
lhe sugeriu que talvez valesse a pena ser mais tolerante com os católicos
soviéticos, a fim de ganhar a simpatia de Pio XI. Efetivamente, além de
um punhado de multicoloridos guardas suíços, o poder papal não é
palpável. Ainda assim, como bem observa o escritor Elias Canetti, “perto
da Igreja, todos os poderosos do mundo parecem diletantes”.
Há estatísticas controvertidas sobre esse poder eclesiástico. Ao
mesmo tempo que uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas indica que,
a cada geração, cai o número de católicos no Brasil, outra, da mesma
instituição, revela que, para os brasileiros, a única instituição
democrática que funciona é a Igreja Católica, com créditos muito
superiores aos dados à classe política. Daí os sentimentos mistos que
acompanharam a visita do papa Bento XVI ao Brasil.
“O Brasil é estratégico para a Igreja Católica. Está sendo preparada
uma Concordata entre o Vaticano e o nosso país. Nela, todo o
relacionamento entre as duas formas de poder (religioso e civil) será
revisado. Tudo o que depender da Igreja será feito no sentido de
conseguir concessões vantajosas para o seu pastoreio, inclusive com
repercussões no direito comum interno ao Brasil (pesquisas com células-tronco, por exemplo, aborto, e outras questões árduas)”, avalia o filósofo
Roberto Romano. E prossegue: “Não são incomuns atos religiosos que
são usados para fins políticos ou diplomáticos da Igreja. Quem olha o Cristo Redentor, no Rio, dificilmente saberá que a estátua significa a
consagração do Brasil à soberania espiritual da Igreja, algo que
corresponde à política eclesiástica de denúncia do laicismo, do
modernismo e da democracia liberal.
A educadora da USP Roseli Fischman, no artigo “Ameaça ao Estado
laico”, avisa que a Concordata poderá incluir o retorno do ensino
religioso às escolas públicas. “O súbito chamamento do MEC para tratar
do ensino religioso tem repercussão quanto à violação de direitos, em
particular de minorias religiosas e dos que têm praticado todas as formas
de consciência e crença neste país, desde a República”, acredita a
pesquisadora. Por sua vez, o professor de Teologia da PUC-SP Luiz Felipe
Pondé responde assim àquela famosa pergunta de Stalin: “Quem precisa
de divisões tendo como exército a eternidade?”
(Adaptado de Carlos Haag, Pesquisa FAPESP n. 134, 2007)
1. A expressão entre a cruz e a caldeirinha indica uma opção muito difícil de
se fazer. Justifica-se, assim, sua utilização como título de um texto que,
tratando da atuação da Igreja, enfatiza a dificuldade de se considerar em
separado
(A) a ingerência eclesiástica nas atividades comerciais e nas diplomáticas.
(B) a instância do poder espiritual e o campo das posições políticas.
(C) o crescente prestígio do ensino religioso e a decadência do ensino laico.
(D) os efetivos militares à disposição do Papa e a força do pontificado.
(E) as denúncias papais do laicismo e os valores da democracia liberal.
2. Atente para as seguintes afirmações:
I. As frases de Stalin e de Elias Canetti, citadas no 1º parágrafo, revelam
critérios e posições distintas na avaliação de uma mesma questão.
II. Na Concordata (referida no 3º parágrafo), a Igreja pretende valer-se de
dispositivos constitucionais que lhe atribuem plena autonomia legislativa.
III. A educadora Roseli Fischman propõe (4º parágrafo) que o ensino religioso
privilegie, sob a gestão direta do MEC, minorias que professem outra fé
que não a católica.
Em relação ao texto, está correto APENAS o que se afirma em
(A) I.
(B) II.
(C) III.
(D) I e II.
(E) II e III.
3. Considerado o contexto, traduz-se adequadamente o sentido de um
segmento em:
(A) o poder papal não é palpável = o Papa não dispõe de poder considerável.
(B) parecem diletantes = arvoram-se em militantes.
(C) com créditos muito superiores = de muito maior confiabilidade.
(D) repercussões no direito comum interno = efeitos sobre o direito canônico.
(E) denúncia do laicismo = condenação dos ateus.
4. Ao se referir ao poder da Igreja, Elias Canetti e Luis Felipe Pondé
(A) admitem que ele vem enfraquecendo consideravelmente ao longo dos
últimos anos.
(B) consideram que, na atualidade, ele só se manterá o mesmo caso seja
amparado por governos fortes.
(C) afirmam que nunca ele esteve tão bem constituído quanto agora, armado
da fé para se aliar aos fortes.
(D) lembram que a energia de um papado não provém da instituição
eclesiástica, mas da autoridade moral do Papa.
(E) advertem que ele não depende da força militar, uma vez que se afirma
historicamente como poder espiritual.
5. Na frase Quem precisa de divisões tendo como exército a eternidade?, o
segmento sublinhado pode ser substituído, sem prejuízo para o sentido e
a correção, por
(A) ao ter no exército sua eternidade?
(B) fazendo do exército sua eternidade?
(C) contando na eternidade com o exército?
(D) dispondo da eternidade como exército?
(E) provendo o exército assim como a eternidade?
6. As normas de concordância verbal estão plenamente respeitadas na frase:
(A) Deve-se firmar alguns acordos entre o Vaticano e o Brasil durante as
discussões da Concordata.
(B) Nunca chegou a preocupar Stalin, naturalmente, os guardas suíços que
constituem a segurança do Vaticano.
(C) Ao se deterem na estátua Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, os olhos de
um turista não verão o que de fato ela consagra.
(D) As concessões vantajosas que pretendem obter, nas discussões da
Concordata, a Igreja Católica, dizem respeito a questões polêmicas.
(E) Muitas repercussões passarão a haver no direito interno, caso a
Concordata consagre os acordos que constituem o principal interesse da
Igreja.
7. Está correta a flexão de todas as formas verbais da frase:
(A) Tudo o que advir como poder da Igreja tem correspondência com o plano
simbólico e espiritual.
(B) O poder civil e a esfera religiosa nem sempre conviram quanto à busca de
um sereno estabelecimento de acordos.
(C) Ao longo da História, nações e igrejas muitas vezes se absteram de buscar
a convergência de seus interesses.
(D) A pergunta de Stalin proveu de sua convicção quanto ao que torna de fato
competitivo um país beligerante.
(E) Ciente da fragilidade militar da Igreja, o ditador não se conteve e interveio
na História com a famosa frase.
8. A frase que admite transposição para a voz passiva é:
(A) Perto da Igreja, todos os poderosos do mundo parecem diletantes.
(B) A Concordata poderá incluir o retorno do ensino religioso.
(C) Há estatísticas controvertidas sobre esse poder eclesiástico.
(D) Não são incomuns atos religiosos com finalidade política.
(E) O Brasil é um país estratégico para a Igreja Católica.
9. Está clara e correta a redação deste livre comentário sobre o texto.
(A) Deve de ser preocupante para os católicos, que eles venham caindo de
número nas estatísticas, em conformidade com a Fundação Getúlio
Vargas.
(B) Mau-grado seu desempenho nas estatísticas da FGV, esta mesma
instituição considera que a Igreja tem mais prestígio que outras classes.
(C) A mesma Fundação em que se abona o papel da Igreja como democrática,
é também a instituição em que avalia seu decréscimo de fiéis.
(D) Não obstante esteja decrescendo o número de fiéis, a Igreja, segundo a
Fundação Getúlio Vargas, é prestigiada como instituição democrática.
(E) A FGV, em pesquisas atinentes da Igreja Católica, chegou a resultados
algo controversos, seja pelo prestígio, seja pela contingência do seus fiéis.
10. Está adequada a correlação entre tempos e modos verbais na frase:
(A) Se o Papa dispusesse de inúmeras e bem armadas divisões, talvez Stalin
reconsiderasse sua decisão e buscasse angariar a simpatia de Pio XI.
(B) Como alguém lhe perguntou se não é o caso de ganhar a simpatia de Pio
XI, Stalin lhe respondera que ignorava com quantas divisões conta o
Papa.
(C) Caso o Brasil não fosse um país estratégico para a Igreja, a Concordata
não se revestirá da importância que lhe atribuíram os eclesiásticos.
(D) São tão delicadas as questões a serem discutidas na Concordata que será
bem possível que levassem muito tempo para desdobrar todos os
aspectos.
(E) Roberto Romano lembra-nos de que já houve, na História, atos religiosos
que acabassem por atender a uma finalidade política que é prevista.
GABARITO DAS QUESTÕES SEM COMENTÁRIO
1. B
2. A
3. C
4. E
5. D
6. C
7. E
8. B
9. D
10. A
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